segunda-feira, 19 de junho de 2017

“Macapá, o rio comanda a vida


                                      José Alberto Tostes[1]
                                       Antônio Da Justa Feijão[2]

Ao imaginarmos o primeiro encontro de Vicente Pinzón, no Delta do Amazonas, com suas comunidades indígenas, espalhadas em pequenos aglomerados “casa” semiflutuantes, num rio tão grande e tão liberto, que parecia não ter margens, forçando o navegador denominá-lo “Mar Dulce”. A natureza não oferecia nada que pudesse ser levado, pois havia um elemento que o rio já aceitara como sua parte mais estranha, mas adaptada – o homem. Talvez por não entender essa simbiose ele levou algumas dezenas de indígenas para de alguma forma transpor a margem mítica como símbolo exótico do novo mundo.
Macapá foi construída por homens de três raças (índios, caucasianos e negros), mas amalgamados por um ente maior que uniu terra e água e edificou uma cidade do rio e da terra. Se Euclides da Cunha (2004) tivesse conhecido essa sociedade triétnica dominada pelos “caboclos ribeirinho do delta do Amazonas” tivesse já aferido sua mais curta e profunda razão sobre a região: viver é adaptar-se. Mesmo pendular na linha Equinocial há que se corrigir o tempo em sua assertiva sobre o Caboclo Amazônico: “A impressão dominante que tive, e talvez correspondente a uma verdade positiva, é esta, o homem, ali, é ainda um intruso impertinente” (CUNHA, 2004, p.).
Há que se fazer uma justa homenagem a ciência, vivência e experiências ancestrais dos indígenas berço cultural de nossa gente e força física de edificações de nossas cidades e economias agroextrativistas. A contribuição indígeno-cabocla para ocupação e desenvolvimento da Amazônia foi, no entanto, considerável e sem ela a tarefa de descoberta e exploração teria sido impossível. Submissos, subordinados, adaptados ou integrados, eles ensinaram aos novos e imigrantes os segredos do rio, da terra e da floresta. (BENCHIMOL, 2009. p. 26)
Temos uma análise um pouco divergente sobre o exílio demográfico da cidade de Macapá, que de certa forma testemunha a falência dos propósitos pombalinos em fazer da fortaleza de São José de Macapá a semente fertilizadora de uma grande cidade às margens do rio Amazonas. A criação do Território e Estado irão deslocar o comando político do Estado do Pará para a cidade de Macapá. Assim, de uma arquitetura e marcas urbanas palimpsestas, a cidade passa a “governar” sua própria relação cultura e urbana com o rio.
No período do auge do ciclo da borracha, precisamente entre 1790, quando houve um censo da população de Macapá, a população registrada nesse censo foi da ordem de 2.532 habitantes. Fato destacável é que mesmo no período da extração da borracha, Macapá vive um apagão demográfico, quando houve um incremento de apenas 18 habitantes num período de 29 anos. De 1820 a 1940, ou seja, passados 120 anos, a população de Macapá somente chegou a um total de 10.601 habitantes e um crescimento de 67 habitantes/ano.
                Gráfico 01 – Disposição temporal do crescimento populacional da cidade de Macapá e principais eventos econômicos e administrativos.

A força dos agentes transformadores nas relações rio-cidade-sociedade evoluíram de um contexto local geopolítico a partir da construção da Fortaleza São José de Macapá, criação do TFA em 1943 e transformação deste em Estado em 1988 até a instalação da Área de Livre Comércio de Macapá e Santana em 1991 e Implantação da Zona Franca Verde e Complexo Agrologístico do Porto de Santana, em 2016. Então, depreende-se que mudanças mais profundas estão por vir.
                 Foto - Edificações de Palafitas no Bairro Matapi Mirim, Cidade de Santana (AP), rio Amazonas

A força da importância do rio sobre a vida da sociedade triétnica e suas economias locais e regionais é de tamanha dependência com o Amazonas que os “amazônicos” passaram construir suas hidrocidades incorporando o próprio barco ou montaria à natureza arquitetônica e paisagística de sua habitação. A arquitetura de palafitas sobre o espelho d’água do rio, aos olhos do imigrante ou turista, pode parecer algo agressivo e descolado da natureza hidrofitomorfológica do Delta Amazônico, mas é exatamente esse grau de perfeição que sustenta essa relação homem, trabalho e natureza em harmonia há mais de três séculos. Tudo onde o rio e as diferentes simbologias definem a imagética da paisagem das cidades amazônicas. É fato, o rio é o senhor da vida nesse lugar. Como notabilizou Leandro Tocantins aqui “o rio comanda a vida”.
(Resumo do Artigo Macapá: o rio comanda a vida  publicado no IV Seminário Internacional A Língua que Habitamos – AEAULP/2017)
Doutor em História e Teoria da Arquitetura e Professor Associado III da Universidade Federal do Amapá. Brasil

 Geólogo e Advogado Mestrando do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Amapá. Brasil
E-mail: feijãoamazonia@gmail.com






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